Como seria mais do que natural, o nascimento dos filhos de Cristiano
Ronaldo monopoliza as atenções, mas, para além do facto em si mesmo, merece alguns comentários a respeito da utilização da expressão “barriga de aluguer”.
Segundo resulta das notícias divulgadas, o nascimento teria resultado da introdução do sémen de Ronaldo, não se sabe por que vias, no
organismo reprodutor de uma mulher que se predispôs a suportar os resultados,
permanecendo no anonimato e prescindindo de reivindicar a maternidade. Mas,
numa apreciação muito genérica, tal não constitui nenhuma novidade e traduz o
procedimento que é usualmente designado como inseminação artificial.
Num outro plano, totalmente diferente, situa-se a procriação medicamente
assistida em que um óvulo, já fecundado, é introduzido no útero de uma outra
mulher, que vai gerar a criança.
Uma defensora do “Contrato de gestação” (sic.), Vera Lúcia Raposo
(Revista do MP, n.º 149, 2017), sustenta que, neste caso, qualquer direito
relacionado com paternidade e maternidade se deve atribuir aos dadores dos
gâmetas e não à autora da gestação da criança, colocando-se aqui um elemento
diferenciador da situação que tem sido propalada, onde a detentora da “barriga
de aluguer” não deixa de ser a mãe genética da criança.
A expressão “contrato de gestação” é bem clara e está isenta de
ambiguidades: - trata-se apenas de um simples negócio, como quem compra batatas
ou arrenda uma casa, etc., etc.
Relativamente a este negócio (e, um contrato é, por definição, um negócio)
noticiava-se há pouco:
« Realizou-se em Madrid a 6 e 7 de Maio a feira Surrofair, que juntou 24 expositores de agências de todo o mundo especializadas no negócio das barrigas de aluguer. A feira oferecia atendimento reservado aos potenciais interessados, além de debates com oradores de cada uma das empresas com temas como «selecção e relação com a gestante», «aspectos legais a ter em conta na hora de escolher um destino», «como reduzir gastos e aumentar as taxas de êxito» ou gestação de substituição na Ucrânia, no Canadá ou nos EUA.
No sítio da revista organizadora pode ler-se artigos sobre as razões para as diferenças de preço entre os diversos países (entre o 35 e os 150 mil euros), os motivos para a Índia ser dos «destinos mais económicos», ou manuais sobre como discutir orçamentos - estão ou não as ecografias obstétricas incluídas no preço, os advogados para tratarem da saída do bebé do país são ou não de confiança, etc. Preocupações - chamemos-lhe assim - que revelam o grau de mercantilização de todo o processo. » in AVANTE, 18/05/2017
« Realizou-se em Madrid a 6 e 7 de Maio a feira Surrofair, que juntou 24 expositores de agências de todo o mundo especializadas no negócio das barrigas de aluguer. A feira oferecia atendimento reservado aos potenciais interessados, além de debates com oradores de cada uma das empresas com temas como «selecção e relação com a gestante», «aspectos legais a ter em conta na hora de escolher um destino», «como reduzir gastos e aumentar as taxas de êxito» ou gestação de substituição na Ucrânia, no Canadá ou nos EUA.
No sítio da revista organizadora pode ler-se artigos sobre as razões para as diferenças de preço entre os diversos países (entre o 35 e os 150 mil euros), os motivos para a Índia ser dos «destinos mais económicos», ou manuais sobre como discutir orçamentos - estão ou não as ecografias obstétricas incluídas no preço, os advogados para tratarem da saída do bebé do país são ou não de confiança, etc. Preocupações - chamemos-lhe assim - que revelam o grau de mercantilização de todo o processo. » in AVANTE, 18/05/2017
Numa outra vertente, é insofismável que, para as camadas aristocráticas,
sempre existiram as “barrigas de aluguer” no sentido inicialmente referido e que forneciam o imprescindível
herdeiro que garantiria a continuidade do seu poder e, nestes casos, as mães
eram sequestradas para toda a vida, quando não eram feitas desaparecer por
métodos mais expeditos e, para usar um velho refrão, já com barbas, mais uma
vez se verifica que o capitalismo representa um progresso relativamente ao
feudalismo, sem que, no entanto, se possam considerar como recomendáveis as
soluções que propõe.
Aliás, voltando atrás, os mais velhos, se procurarem nas suas memórias,
seguramente que encontrarão casos de crianças que foram totalmente retiradas às suas mães e foram criadas (a palavra “criadas”, neste caso, tem um sentido
ambivalente…) na total ignorância de quem tivesse sido a sua verdadeira mãe.
Quanto ao Cristiano Ronaldo e segundo se deduz das notícias que surgiram,
o caso é bem simples e é essa a razão para questionar o uso da expressão
“barriga de aluguer” que melhor se aplica às situações que antes se
descreveram.
Em Portugal, nada poderia evitar que uma mãe, não só gestacional, mas
também genética, viesse reivindicar a maternidade da criança, mas é pouco ou
nada previsível que tal viesse suceder, perante as mais do que prováveis e
chorudas contra partidas que terá recebido.
E, perante este panorama, na faz qualquer sentido tecer considerações
moralistas a respeito da opção que foi tomada por Cristiano Ronaldo, apenas
restando “dar-lhe” os tradicionais parabéns e desejar-lhe boa sorte.
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