Poderá existir alguma falha por parte do autor destas linhas, mas, pelo
menos ao nível da comunicação escrita, não se detectou qualquer notícia, por
brevíssima que fosse, relativamente ao lançamento no passado dia 29 de Abril,
da obra de Bernardo Martins, sobre o “Centro de Informação Popular”, que
assumiu um papel preponderante em tudo o que passou no concelho de Machico nos
anos de 1974 (após 25 de Abril, obviamente…) e 1975.
Porém trata-se de uma obra com a chancela da Universidade da Madeira e,
portanto, dotada de inultrapassáveis características académicas e, por outro
lado é por demais evidente o carácter inovador quanto à abordagem de um período
essencial da história do arquipélago mas que, pelos vistos, muitos pretendem
esquecer.
É certo que o “decano” com uma semana de antecedência, anunciou que iria
existir o evento, mas, por isso mesmo, ainda se torna mais incompreensível que
depois não lhe tivesse dado qualquer tratamento.
Quanto ao “JM” veio a dar a triste imagem de assumir as dores nesta
matéria do “defunto” (?) “Jornal da Madeira”.
Não se põe em causa que o dia-a-dia da Madeira esteja repleto de
“profundos” acontecimentos “culturais” e que não surjam abundantemente
publicações de “Vão de escada”, sobre temas exotéricos e que põem em causa a
razão e a ciência, e que merecem um profundo carinho por parte da Comunicação
Social da Região, o que talvez explique a prática impossibilidade de cobrirem
esta apresentação, mas, se, porventura, queremos ter uma Universidade,
pareceria ser lógico que fosse dada a primazia às obras cientificas que lhe
estão associadas.
Precisamente porque se trata de uma obra que surge como excepcionalmente
rica no panorama regional, a mesma merece (ou melhor, mereceria…) vários
comentários, e, nesse âmbito, escolheu-se um aspecto muito parcelar por esta
abordagem.
Pese embora a relevância que lhe é dada pelo autor do livro, supõe-se que
seria o problema da colónia que constituiria o primeiro e essencial motor de
tudo o que ocorreu em Machico após o 25 de Abril, o que origina algumas notas a
respeito dos terrenos da Machitur, que, segundo se pensa, mereceriam um
tratamento mais detalhado.
Seguindo a obra de Bernardo Martins, tratava-se de uma extensa faixa de
terreno da freguesia, que se iniciava junto ao Forte de S. João Batista e
ultrapassava o Largo da Sra. dos Milagres, que ocupava toda a encosta que era
então habitável e cultivável e que se encontrava sujeita ao regime da colónia
de uma forma praticamente total.
Pouco tempo antes do 25 de Abril foi planeado grande empreendimento
turístico para esse terreno e consequentemente os colonos foram despojados das
suas terras e, sobretudo, das suas casas, ficando por vezes sem qualquer
habitação onde se pudessem acolher, o que diz bem do carácter altamente
traumatizante do então sucedido.
Segundo o livro que se comenta, pouco tempos após a Revolução, foi feito
um apelo à recuperação desses terrenos, apelo esse que foi imediatamente
seguido, e nada mais é dito, como se a situação tivesse então ficado resolvida
através deste meio.
Porém, em 04/06/1980, a Câmara Municipal, gerida pelo PSD, fez publicar
um edital em que se propunha assumir os direitos de plena proprietária de
grande parte desse terreno, denominado como Sítio da Misericórdia, no caso dos
colonos não deduzissem qualquer reclamação no prazo de… dez dias!!!
Como seria de esperar, tal prazo era por demais exíguo, e, em,
06/01/2009, a Câmara fez lavrar escritura de justificação em que se dá como
dona e legítima proprietária desse espaço, e, por enquanto, pouco ou nada se
soube a esse respeito, apesar de uma titularidade que, face ao Direito, (que
não à justiça social…) acha perfeitamente estabelecida.
Mas, regressando a quarenta e tal anos atrás, talvez não se tornasse
forçoso um percurso e uma solução deste tipo.
A expulsão dos colonos necessitava de ser efectuada através da via
judicial, e deu origem às acções que correram ao Tribunal de Santa Cruz com os n.º
18/72 e 22/72, ambas da 1.ª secção desse Tribunal, mas a quase total
incapacidade, dos colonos quer a nível económico, quer a nível de
marginalização social, para reagirem a esses processos, originou que, em grande
parte dos casos fossem ultrapassadas as normais regras processuais e fossem
tomadas decisões a favor dos senhorios que não tinham qualquer sustento legal.
Alguns dos colonos ainda não tinham sido despejados em Abril de 1974,
permanecendo nos seus terrenos e casas e, portanto, relativamente a eles as
decisões judiciais não produziram quaisquer efeitos.
Noutros casos e perante a existência de inúmeros herdeiros o Tribunal não
conseguia concretizar a citação de todos os interessados e portanto, as
correspondentes decisões também não chegaram a ser válidas e, ainda noutros
casos, não chegaram a ser entregues as “indemnizações” aos colonos, o que
também punha em causa a legalidade de despejos que, no entanto, muitas vezes
chegaram a ser efectuados, embora sem cobertura legal.
Do exposto resulta que a situação destes terrenos poderia ter sido
abordada de forma mais detalhada e talvez, mais eficaz.
Mas, sobretudo, se nos lembrarmos que na pequena Vila de Machico, muitas
dezenas de pessoas tinham sido despejadas das suas habitações e das suas
terras, nalguns casos poucos dias antes do 25 de Abril, torna-se então bem
clara a razão da excepcional radicalização da população relativamente à maior
parte da Ilha, e, por isso, afigura-se que tal situação teria merecido uma
maior abordagem.
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