terça-feira, 2 de maio de 2017

Alguns brevíssimos comentários quanto ao livro de Bernardo Martins sobre o período seguinte ao 25 de Abril de 1974 em Machico

Poderá existir alguma falha por parte do autor destas linhas, mas, pelo menos ao nível da comunicação escrita, não se detectou qualquer notícia, por brevíssima que fosse, relativamente ao lançamento no passado dia 29 de Abril, da obra de Bernardo Martins, sobre o “Centro de Informação Popular”, que assumiu um papel preponderante em tudo o que passou no concelho de Machico nos anos de 1974 (após 25 de Abril, obviamente…) e 1975.
Porém trata-se de uma obra com a chancela da Universidade da Madeira e, portanto, dotada de inultrapassáveis características académicas e, por outro lado é por demais evidente o carácter inovador quanto à abordagem de um período essencial da história do arquipélago mas que, pelos vistos, muitos pretendem esquecer.
É certo que o “decano” com uma semana de antecedência, anunciou que iria existir o evento, mas, por isso mesmo, ainda se torna mais incompreensível que depois não lhe tivesse dado qualquer tratamento.



Quanto ao “JM” veio a dar a triste imagem de assumir as dores nesta matéria do “defunto” (?) “Jornal da Madeira”.
Não se põe em causa que o dia-a-dia da Madeira esteja repleto de “profundos” acontecimentos “culturais” e que não surjam abundantemente publicações de “Vão de escada”, sobre temas exotéricos e que põem em causa a razão e a ciência, e que merecem um profundo carinho por parte da Comunicação Social da Região, o que talvez explique a prática impossibilidade de cobrirem esta apresentação, mas, se, porventura, queremos ter uma Universidade, pareceria ser lógico que fosse dada a primazia às obras cientificas que lhe estão associadas.
Precisamente porque se trata de uma obra que surge como excepcionalmente rica no panorama regional, a mesma merece (ou melhor, mereceria…) vários comentários, e, nesse âmbito, escolheu-se um aspecto muito parcelar por esta abordagem.
Pese embora a relevância que lhe é dada pelo autor do livro, supõe-se que seria o problema da colónia que constituiria o primeiro e essencial motor de tudo o que ocorreu em Machico após o 25 de Abril, o que origina algumas notas a respeito dos terrenos da Machitur, que, segundo se pensa, mereceriam um tratamento mais detalhado.
Seguindo a obra de Bernardo Martins, tratava-se de uma extensa faixa de terreno da freguesia, que se iniciava junto ao Forte de S. João Batista e ultrapassava o Largo da Sra. dos Milagres, que ocupava toda a encosta que era então habitável e cultivável e que se encontrava sujeita ao regime da colónia de uma forma praticamente total.


Pouco tempo antes do 25 de Abril foi planeado grande empreendimento turístico para esse terreno e consequentemente os colonos foram despojados das suas terras e, sobretudo, das suas casas, ficando por vezes sem qualquer habitação onde se pudessem acolher, o que diz bem do carácter altamente traumatizante do então sucedido.
Segundo o livro que se comenta, pouco tempos após a Revolução, foi feito um apelo à recuperação desses terrenos, apelo esse que foi imediatamente seguido, e nada mais é dito, como se a situação tivesse então ficado resolvida através deste meio.
Porém, em 04/06/1980, a Câmara Municipal, gerida pelo PSD, fez publicar um edital em que se propunha assumir os direitos de plena proprietária de grande parte desse terreno, denominado como Sítio da Misericórdia, no caso dos colonos não deduzissem qualquer reclamação no prazo de… dez dias!!!
Como seria de esperar, tal prazo era por demais exíguo, e, em, 06/01/2009, a Câmara fez lavrar escritura de justificação em que se dá como dona e legítima proprietária desse espaço, e, por enquanto, pouco ou nada se soube a esse respeito, apesar de uma titularidade que, face ao Direito, (que não à justiça social…) acha perfeitamente estabelecida.
Mas, regressando a quarenta e tal anos atrás, talvez não se tornasse forçoso um percurso e uma solução deste tipo.
A expulsão dos colonos necessitava de ser efectuada através da via judicial, e deu origem às acções que correram ao Tribunal de Santa Cruz com os n.º 18/72 e 22/72, ambas da 1.ª secção desse Tribunal, mas a quase total incapacidade, dos colonos quer a nível económico, quer a nível de marginalização social, para reagirem a esses processos, originou que, em grande parte dos casos fossem ultrapassadas as normais regras processuais e fossem tomadas decisões a favor dos senhorios que não tinham qualquer sustento legal.
Alguns dos colonos ainda não tinham sido despejados em Abril de 1974, permanecendo nos seus terrenos e casas e, portanto, relativamente a eles as decisões judiciais não produziram quaisquer efeitos.


Noutros casos e perante a existência de inúmeros herdeiros o Tribunal não conseguia concretizar a citação de todos os interessados e portanto, as correspondentes decisões também não chegaram a ser válidas e, ainda noutros casos, não chegaram a ser entregues as “indemnizações” aos colonos, o que também punha em causa a legalidade de despejos que, no entanto, muitas vezes chegaram a ser efectuados, embora sem cobertura legal.
Do exposto resulta que a situação destes terrenos poderia ter sido abordada de forma mais detalhada e talvez, mais eficaz.

Mas, sobretudo, se nos lembrarmos que na pequena Vila de Machico, muitas dezenas de pessoas tinham sido despejadas das suas habitações e das suas terras, nalguns casos poucos dias antes do 25 de Abril, torna-se então bem clara a razão da excepcional radicalização da população relativamente à maior parte da Ilha, e, por isso, afigura-se que tal situação teria merecido uma maior abordagem.

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