Nas arribas da cidade, há vários montados que não servem nem a nem a eles
seu dono.
-Lembro-me da azáfama da família arrumado cestos e balaios com comida
e bebida. Era rancho para uma romaria de um longo dia. Arrancávamos ainda de
noite, por ai dentro, para as bandas da Ribeira Brava onde fazíamos a primeira
paragem para matinar, seguiam-se as curvas da Tabua e da Lombada. Quando
passávamos pela Ponta do Sol, era um alívio, agora era sempre cabeça acima, com
destino ao Chão do Paul da Serra e as tosquias. Quando passávamos sobre a
lagoa, começava-se a avistar magotes de gente, toscas barracas com comes e
bebes, construídas com varas e galhos de loureiro e meios carros com bancos
corridos feitos em madeira na carroçaria. Os horários com as excursões, só
haviam de chegar mais tarde. Arranjava-se um chão, estendia-se um cobertor, a
família sentava-se à volta e comia-se, jogavam-se às cartas e esperava-se. Após
as tantas, o som de um búzio ou um assobio dobrado, faziam toda a gente largar
o que fazia e pôr-se de pé. Apareciam as primeiras ovelhas ladeadas por pastores
que corriam apoiados nos seus bordões de conte. E o caudal engordava em ovelhas
e ruídos. Feita a arruma, seguia-se a tosquia o arremate de algumas cabeças ou
mesmo de alguma lã numa festa que era uma desculpa para encontro de pessoas que
voltavam para casa já de noite e com um grande escaldão. As tosquias
realizavam-se em diversos locais da ilha, inclusive nas serras do Funchal.
- No início dos anos oitenta do século passado, o regime que então
emergia na Madeira, transformou esse encontro de pessoas e bens, numa das
primeiras festas do regime. As meias vacas começaram a ser distribuídas em nome
do partido, acompanhadas ao som da banda que tocava em troca das fardas novas e
regadas com muito vinho seco, para embalar o discurso. Tudo oferecido pelo
partido do regime e pago (indiretamente) pelo povo. E toda a boa gente ficava
contente. A uma data altura, alguém do regime apercebeu-se, que uma grande
parte das serras da Madeira estava dividida em montados e que uma boa parte pertence
a grupos de pastores, que do gado tiram parte da subsistência das suas
famílias. Acontece que a sede de propriedade dos mandadores engajados no
partido do regime fez os salivar. Já tinha ficado com uns quantos hectares
usando o truque (que hoje outros emergentes tentam usar) de usucapião. Mas os
montados estavam ocupados e com atividade constante. Então, alguém iluminado,
defende a proibição do gado na serra. Mas os pastores não são pêra doce, são
gente dura de roer, habituados a lidar com penhascos e gado. Gente que é capaz
de se matar para salvar uma cria. Então, noutro ataque, algum mandador do
partido lembra-se: “E se para lhes roubarmos as terras, comprássemos o gado.
Até porque parte do gado que pastava nesses montados é de gente do partido.” E
assim foi feito!!! Em nome de uma conservação desconsersada, espoliaram
famílias, comprando ou abatendo o seu gado. Desertificaram as serras, fazendo
desaparecer veredas que eram mantidas pelos pastores e que hoje são cimentadas
frequentemente por empresas de amigos do partido. As nascentes de água foram
entregues aos mesmos amigos juntamente com um negócio de milhões que tem por
nome “reflorestação”. Os montados estão forçadamente abandonados com os amigos
do partido a faturar à custa dos mesmos. Entretanto já se passaram alguns anos
e sem motivo aparente, começam a aparecer as primeiras expropriações dos
montados.
Mas ninguém fala em cobrir os prejuízos causados pela proibição de
usar terrenos privados. Claro que esta gente do partido só se tem sacrificado
ficando com terrenos inúteis .
David Francisco
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